Alabast sempre foi uma das mais desenvolvidas nações de maioria étnica deven. Localizada no começo da região semi-árida do continente Alabast é também a nação mais antiga de que se tem registro com o mesmo nome e localização. Sendo o expoente da cultura deven mais antiga é o país onde as Universidades mais antigas estão localizadas, assim como as sedes das organizações científicas de maior respeito em todo o mundo. E foi neste país onde um jovem engenheiro vindo de Tebaia, o país vizinho, deu inicio ao projeto que resultou na criação de uma nova forma de vida.
Jahan Igorasti cresceu em uma cidade costeira em seu país e sempre tivera imensa curiosidade em relação aos magos vindos de outras nações que por ali passavam. Ainda que fosse pobre, ele sempre conseguia uma maneira de se aproximar dos magos estrangeiros para lhes servir, pedindo em troca apenas algum material que falasse sobre magia.
Porém, longe de querer tornar-se um mago, Jahan sempre pensara nas incríveis possibilidades que surgiriam se um mago construísse grandes equipamentos movidos à magia. Existia uma linha de pesquisa sobre isto em Alabast, mas seus resultados eram bastante discretos, visto que os deven normalmente não tinham familiaridade com magias de natureza poderosa como a magia aika, ou a magia raken.
Com sua insistência Jahan conseguiu até um breve treinamento com um mago azul que viera fazer negócios em sua cidade. Então, quando completou dezesseis anos ele se candidatou à Universidade Una, da capital de Alabast, sendo aceito devido aos seus conhecimentos também enormes em matemática e física mecânica para sua idade.
Querendo impressionar Jahan decidiu que seu primeiro projeto seria a fabricação de um homem mecânico de metal. Ainda que não visse aplicação prática para algo daquele tipo, ele percebeu que a complexidade para criar um mecanismo capaz de mover-se como uma pessoa já era muito mais impressionante do que outros pesquisadores já tinham feito. Seu trabalho levou mais de três anos, mas ao final ele tinha construído uma estrutura esquelética e revestimento bastante convincentes. Porém, seu professor orientador não pareceu nada impressionado quando o estudante lhe mostrou o resultado de seu esforço, o que deixou Jahan frustrado:
― Mas o que há de errado que meu trabalho não o impressiona? ― quis saber o rapaz de vinte anos. Seu professor fintava aquele engenho com atenção, mas sua expressão era de frieza.
― De fato esta máquina possui uma complexidade de construção singular, Jahan ― disse o professor. ― Mas como você pilota uma máquina neste formato?
Aquela questão simples fez Jahan perceber a insignificância do seu trabalho naquele estado. Posteriormente outros professores ficaram bem mais impressionados com a máquina do que o seu tutor, mas isso não consolou em nada Jahan.
Sua máquina precisava de um motor. Um motor complexo e autônomo capaz de controlar uma estrutura humanoide e assim realizar qualquer trabalho que uma pessoa seria capaz. E para isso não existia engenharia pura capaz de tal feito. Ele iria enfim unir mecânica e magia como era seu sonho de infância.
Ele passou vinte anos naquele projeto.
Decantou as formas de magia até chegar à particular mágica fundamental, o Ada, e o manipulou com instrumentos de extrema sofisticação construídos por ele próprio. Viajou pelo mundo para encontrar escritos secretos que falavam da estrutura da alma humana e tomou seus modelos como moldes para seu motor feito de energia Ada. Sua vida foi toda dedicada àquele estudo. Passou dias e noites na solidão de sua sala na Universidade, calculando, combinando e experimentando as mais diversas combinações de partículas Ada.
O resultado de todo o seu esforço foi um cristal de brilho azulado que cabia em sua mão. Um objeto morno e de forma pouco geométrica. Ele instalou o cristal dentro do peito revestido do seu humanoide, ligado ao seu esqueleto metálico. Quando o prendeu nos suportes de segurança a energia começou a se espalhar pela máquina por si mesma.
O rosto liso e sem expressão do humanoide permaneceu o mesmo, mas suas orbes vazias e escuras foram iluminadas por dentro por um brilho azul.
A máquina ganhou vida, mas pouco se moveu no primeiro momento. Jahan esperava por aquilo, afinal não tinha programado o motor para uma tarefa em especial. Assim ele passou a dedicar-se à ensinar a máquina a se mover e eventualmente descobriu que ela era capaz de imitar a comunicação oral emitindo sons de dentro da sua lataria.
Jahan chamou ao automato de Jinm, o nome de seu irmão mais novo perdido ainda na infância.
Jinm demostrou-se capaz de muito mais do que imitar o que Jahan lhe ensinava. Ele tinha uma consciência genuína que foi se mostrando cada vez mais complexa à medida que o humanoide melhorava sua capacidade de comunicação. Não demorou para que os dois passassem para criador e criatura para verdadeiros amigos. Jinm estudou o trabalho que Jahan havia feito para criá-lo e o ajudou a criar um segundo motor para um novo autômato.
Jahan permitiu que fosse Jinm quem batizasse o segundo constructo, assim o humanoide escolheu o nome de Jahan II, o que o engenheiro achou muito engraçado e não discordou.
Naquele ano Jahan enfim inscreveu-se para participar da grande amostra científica que acontecia sempre na capital, reunindo os governantes dos estados deven e boa parte dos estados oboji, da parte sul do continente.
Os acadêmicos e populares ficaram fascinados com Jinm e Jahan II. Os admiraram como se fossem deuses construídos pelas mãos de um homem. Os filósofos questionaram os constructos e eles responderam suas perguntas com a naturalidade e às vezes desconhecimento que seria esperado em qualquer estrangeiro pouco familiarizado com as questões efêmeras que os pensadores de Alabast tinham.
Porém os nobres ficaram horrorizados com o que viram. Aquelas máquinas eram brilhantes, incansáveis e movidas à energia contida no próprio ar. Se o povo as admirava como a deuses não demoraria para que lhes reverenciassem e construíssem altares e templos para elas. Talvez mesmo os governos fossem dados de presente para as maravilhosas criaturas imortais de lata.
Ainda que Everi Baraest, a governante atual de Alabast não tenha entrado na paranoia dos outros nobres, a pressão para que Jahan e suas máquinas fossem expulsas do país ou mesmo de toda a Aliança do Deserto, foi enorme. Everi foi falar diretamente com Jahan, acompanhada de sua comitiva e mais três representantes de Tebaia, Naria e Torgia cada. Ela conversou com o engenheiro e estava tendendo para ajudá-lo, mantendo seu cargo na Universidade Una, porém um dos representantes de Torgia teve uma atitude inesperada e extrema - ele trouxe uma pistola para matar Jahan, mas, ao disparar, foi Jinm o acertado. O automato havia tentado proteger a vida de seu criador e assim caiu moribundo:
― Jinm! Você está me ouvindo? ― questionou Jahan, aflito como se fosse seu verdadeiro irmão ali caído. Os olhos azuis brilhantes do humanoide piscaram, desvanecendo e retornando mais fracos.
― Meu cristal... Está partido, Jahan.
― Você vai ficar bem, iremos consertar isto ― disse o engenheiro.
― Você sabe melhor do que qualquer pessoa, Jahan. O cristal de Ada é instável e se desfaz por completo depois de rachado ― disse Jinm. ― Será meu fim.
― Oh, não, não, meu amigo ― doeu-se Jahan, apoiando o corpo caído do automato com seus braços. Os dois caídos ao chão.
― Jahan, estou com medo...
― Jinm, meu amigo...
― Será que as almas dos constructos também podem entrar no mundo imortal? ― perguntou Jinm, a voz falhando no mesmo compasso do piscar acentuado dos olhos da máquina.
― Certamente, meu amigo. É certo que sim ― disse Jahan, mesmo que não tivesse qualquer certeza do que estava falando.
― És um homem bondoso, Jahan ― disse Jinm. ― Por favor, diga-me que irá cuidar para que nem meu irmão nem todos os outros que construir tenham um destino precário como o meu.
― Eu juro com minha vida ― disse Jahan. ― Os constructos viverão em paz um dia.
A luz dos olhos de Jinm apagou e seu corpo amoleceu por completo nos braços de Jahan. A vida havia se esvaziado dele para sempre.
Vendo aquela cena triste Everi Baraest decidiu que Jahan poderia ficar e poderia seguir construindo aquelas criaturas, os Constructos, e estes seriam tratados como cidadães de Alabast. Jinm recebeu um enterro nobre e depois disso a aliança política do estado com Torgia ficou abalada por mais de dois séculos.
Jahan e Jahan II trabalharam juntos na construção de mais humanoides. Quando o engenheiro veio a falecer, com mais te setenta anos, ele deixou para trás trinta de seus constructos que passaram a morar em uma cidade fantasma não muito distante da capital, transformando-a aos poucos em seu reino próprio.
Estes eventos aconteceram mais ou menos cento e cinquenta anos antes da Guerra dos Clãs e a crise do modelo clássico Doradênico.